domingo, 29 de janeiro de 2023

Entrevista Jornal Ilha Maior. Porto Comercial de São Roque do Pico







Foi deputado e após ter abandonado a actividade parlamentar não voltámos a abordar algumas questões relacionados com a ilha do Pico, às quais se mantém atento e interessado.

Sendo um especialista em atividade portuária e atendendo ao projeto previsto para o Porto de São Roque gostaríamos de aprofundar o assunto na edição desta semana do jornal Ilha Maior.

Nesse sentido, gostaríamos de perceber a sua opinião sobre o investimento programado para aquela infraestrutura colocando a s seguintes questões:

1. Será correto afirmar-se que o Porto Comercial do Pico tem estado sujeito a um eterno esquecimento?
Trata-se de uma construção da década de 1980, que na sua versão inicial, tinha cerca de 180 mts e proteção frontal da cabeça. Ao longo dos anos muito se trabalhou na consolidação do atual porto e na busca de uma solução para a concretização de um segundo posto de acostagem. Em 2003/4, procedeu-se à substituição da cabeça de tronco cónica por uma vertical, constituída por caixotões. As condições operacionais pioraram, porque esta nova cabeça, contrariamente à anterior, não tinha, nem tem, proteção frontal. A partir de 2008, três propostas da Consulmar. 2011 a 2013, nova proposta da Consulmar, tendo esta chegado à fase de ensaio no Laboratório Nacional de Engenharia Civil. 2013/14/15, quatro propostas da Consulmar. 2016/17, duas propostas da WW. Todas estas propostas foram abandonadas por questões de operacionalidade/manobra e de segurança. Houve também propostas para a Baía de S. Roque que foram abandonadas porque, passariam a ser dois “portecos”, distando entre si cerca de 1 Km, o que implicaria complicados problemas de gestão e de custos e, não evitaria as obras de consolidação e proteção do porto atual. 2013/14, logo após a construção da rampa RORO, foi executada, com tetrapedos, a obra de reforço da proteção exterior do molhe cortina, desde a cota -6 e, desde a curva até à cabeça. 2018, intervenção para reabilitação e melhoria do sistema de amarração do porto. Obra dividida em três fases:
1 – Construção de uma nova secção superior da viga de coroamento do cais acostável;
2 – Instalação, na vertical, de perfis metálicos, em toda a altura do cais e em todas as fiadas de blocos, desde a rampa RORO até aos caixotões da cabeça, tendo como objetivo garantir a ligação e consolidação entre todos;
3 – Colocação de novos cabeços de amarração.

2. Faz falta o aumento do cais acostável para a operação simultânea de dois barcos, um de passageiros e outro de carga, por exemplo, e o reforço da cabeça do molhe, mas a prioridade foi virada para a baía do Cais do Pico. Faz sentido neste momento?

Não faz, nem nunca fez sentido. Os portos são os motores da economia de um país ou região e os navios são o principal meio de entrega. À medida que os países e as regiões se desenvolvem e as suas economias crescem, a dependência de navios e portos também cresce. Qualquer obra portuária tem de ter por objectivo, entre outros: Impulsionar a competitividade e o desenvolvimento económico; assegurar a mobilidade de pessoas e bens, a preços aceitáveis, mas reais, com eficiência; promover a coesão social; adequar os modelos e os custos de exploração às receitas; gerir com racionalidade os dinheiros públicos e, dar prioridade aos projetos estruturantes. Porque só assim se consegue: Promover o funcionamento eficiente da economia; dimensionar os Sistemas Portuários, Aeroportuários e de Transportes às necessidades e às capacidades financeiras da Região, única forma de dar resposta adequada à procura pura de transporte e à mobilidade global e, promover a articulação correta entre as políticas de transporte e as restantes políticas económicas. A proposta do 13ª. Governo Regional não só não responde às questões referidas, como também, não salvaguarda o futuro do nó logístico de S. Roque do Pico ao não garantir que este dê resposta a novas e previsíveis solicitações. 


3. A solução apresentada é a melhor, ou a criação de um segundo pontão daria outras garantias ao tráfego de passageiros e de carga em simultâneo?

Como se viu, a resolução do nó logístico portuário de S. Roque do Pico nunca deixou de estar na ordem do dia. Porque, se a pretensão for o prolongamento do atual porto comercial, trata-se de uma obra de elevadíssimos custos e de grande complexidade técnica, importa analisar outras possibilidades. Muitas outras possibilidades já foram estudadas. A primeira em julho de 2008 e a última em fevereiro de 2019. Porque esta não é uma obra fácil, todas foram chumbadas por razões operacionais e/ou de manobra.
A proposta apresentada pelo 13ª. Governo Regional, dá resposta a uma legítima pretensão local, o prolongamento da Avenida do Mar e o reordenamento da frente marítima que, estou em crer, todos defendemos. A questão é que o Porto Comercial do Pico exige muito mais do que uma visão local, exige uma visão de ilha e, estou em crer que é possível conciliar as duas.
Porque não existem soluções ideais, julgo que a proposta que agora apresento, ao resolver, em simultâneo o segundo posto de acostagem para navios de médio porte, o Núcleo de Recreio Náutico e o Núcleo de Pesca, fundamentais para o desenvolvimento do Porto Comercial do Pico e da Vila de S. Roque, merece ser analisada. Atenção; trata-se de uma proposta, nada mais, pelo que carece de estudos técnicos devidamente fundamentados.
A proposta que agora apresento resulta, por um lado, da análise de todas as anteriores propostas e, por outro lado, da experiência adquirida desde 1991, ano em que comecei a operar no porto comercial atual. Trata-se de refazer e reforçar a cabeça do atual porto comercial, extremamente fragilizada, dando-lhe uma forma que permita dispersar a energia em radial, por forma a reduzir a agitação marítima dentro do porto. Construir um novo molhe-cais, enraizado a norte da rampa da baleia e sem destruir esta, acostável pelos dois lados, com separador central para evitar galgamentos e separar diferentes valências. Esta proposta, com visão de ilha, em nada colide com os objetivos da visão local. 


A agitação marítima encontra-se concentrada em duas “janelas” em torno dos rumos N e E, figura 1. A largura destas “janelas”, correspondentes aos rumos onde se verificam ocorrências de agitação com mais significado, é da ordem dos 45 graus, abrangendo os rumos N / NNW uma e E / ESE a  outra. A frequência dos rumos correspondentes às “janelas” atrás referidas situa-se entre os 7% e os 9% para o conjunto E / ESE e entre os 70% e os 72% para o conjunto N /NNW, (Consulmar/Eng. Abecassis).
Como todos os portos de mar e, à semelhança do que acontece com os restantes portos dos Açores, terá a inevitável exposição, ao mar e vento do quadrante E, apesar de tudo o menos penalizador porque, menos frequente, como se pode ler no parágrafo anterior.

3. Podemos estar a matar o porto comercial do Pico?

Nunca, como agora, em momento algum, se abandonou o objetivo de construir um segundo posto de acostagem, para navios de médio porte, porque. Essa será a morte deste porto e da economia do Pico.

4. Que benefícios se colherão desta grande intervenção na baía do Cais do Pico?

Os benefícios serão apenas a resposta dada à visão local, esquecendo, completamente, a visão ilha e o seu futuro. Como desculpa para permitir o prolongamento da Avenida do Mar, obra que reputo da maior importância, sabe a pouco. Um Núcleo de Recreio Náutico, é isso que é, nada mais. É grave, muito grave, nem incluir a proteção da cabeça do atual molhe. Esta questão é da maior relevância porque a atual encontra-se, lentamente, em movimento de rotação para E. Sem esta obra poderemos ter aqui, à semelhança do que ocorreu no Porto das Lajes das Flores, um desenvolvimento dramático.


5. O que está previsto para a baía poderá condicionar a operacionalidade do porto, sobretudo com o aumento esperado de carga?

Seguramente que sim. Com a obra prevista não é possível vir a acomodar solicitações, algumas já sentidas e fortemente penalizadoras da nossa economia, como os cruzeiros temáticos, e futuras, que surgirão com a nova conserveira, em construção, com capacidade de produzir 28 milhões de latas de conserva anualmente, vai ter de importar atum congelado a granel. Nem nas melhores safras conseguiremos, localmente, atingir os 15% de matéria prima. Como se verificou no passado, tal situação origina o congestionamento total do atual porto originando uma forte penalização para os nossos empresários e para o desejado desenvolvimento do Pico.
Tal objetivo só será atingido se, em circunstância alguma, se abandonar a construção de um segundo posto de acostagem para navios de médio porte.
A solução por mim proposta, pese embora careça de profundo estudo técnico, garante, com uma única obra, o segundo posto de acostagem, o Núcleo de Pesca e o Núcleo de Recreio Náutico.

É evidente que se, a esta obra, acrescer a consolidação e proteção da cabeça do atual cais comercial, os 30M, serão curtos.
Todavia, porque será que só no Pico é relevante a análise da relação custo/benefício? Deveria ser relevante em todas as ilhas, mas, vá-se lá saber porquê, não é.
Senão vejamos; Soluções propostas pela Portos dos Açores no ESTUDO EM MODELO MATEMÁTICO DA OBRA MARÍTIMA DO PORTO DA HORTA, Laboratório Nacional de Engenharia Civil de julho de 2022; aquisição de alguns equipamentos pesados, nomeadamente gruas, para operação portuária onde não são necessárias, que, do ponto de vista da gestão, correspondem a um ato absolutamente criminoso.
Porque será que aparece sempre alguém que insiste na destruição do Cais do Pico, Porto Velho, quando o mesmo devia estar classificado e protegido legalmente. A sua existência é tão relevante que dá o nome ao local onde se situa.


6. O que está projetado é mais embelezamento da baía ou vai proporcionar oportunidades várias para as atividades marítimas, tanto comerciais como de lazer?

Vai proporcionar o ordenamento da orla costeira e atividades de lazer, o que já não é pouco, mais deixa de lado o Porto Comercial do Pico e o futuro da economia da ilha.

7. Sendo este, o porto comercial do Pico, não devia haver mais empenho na defesa da melhoria da sua operacionalidade e segurança por parte das forças vivas da ilha?

Efetivamente é estranho que algumas entidades, públicas e privadas, nada digam. Não se trata de criticar, mas antes, de contribuir para a solução. Claro que, numa obra desta natureza, nem todas as contribuições serão a solução. Se, enquanto cidadão e picaroto me sinto na obrigação de dar o meu contributo, o que pensarão os associados de algumas instituições se não são chamados a se pronunciar e se, quem os representa, nada faz.
A bem do Pico, que se encontre a melhor solução.







domingo, 16 de outubro de 2022


SESSÃO SOLENE DA COMEMORAÇÃO DO CENTÉSIMO SEPTUAGÉSIMO QUINTO ANIVERSÁRIO DA EMPRESA “TRANSPORTE MARÍTIMO PARECE MACHADO, LDA.”

PONTA DELGADA, 8 DE OUTUBRO DE 2022

 

Exmo. Senhor Manuel Cristiano Amaral e Simas, Gerente da Empresa Transporte Martítimo Parece Machado, Lda.

Exmo. Senhora Secretária Regional do Turismo Mobilidade e Infraestrururas, Dra Berta Cabral

Exmo. Engenheiro Luís Qintanilha

Exmo. Capitaão do Porto de Ponta Delgada, Comandante Rafael da Silva

 

 

Restantes Autoridades

Exmos. Convidados

Minhas Snhoras e meus Senhores

Foi com enorme prazer que aceitei o convite da empresa Transporte Martítimo Parece Machado, Lda. para, neste dia tão significativo, a comemoração do seu centésimo septuagésimo quinto aniversário, vos dirigir umas breves e simples palavras, agradecendo, desde já, o convite.

 

Com o fim da Idade Média, período que os historiadores situam entre os séculos V e XV, mais precisamente entre a destituição do Imperador Rômulo Augusto do trono romano, em 476, e a conquista de Constantinopla pelos otomanos, em 1453, surge, na Europa, a necessidade de expansão, através da única vía possível; o mar. Há época, o cerco do Islão, que se estendia da Ásia Menor ao Norte de África, incita os europeus à exploração do Atlântico, que se inicia com o desvendar da costa africana e com incursões nos arquipélagos fronteiros: as Canárias, a Madeira e os Açores.

 

Com o povoamento dos Açores, alguns dos primeiros povoadores dedicaram-se à agricultura e à pesca, porém outros, na procura de locais mais adequados para viver e trabalhar, ter-se-ão confrontado com o acidentado do terreno e com o espesso matagal que lhes impossibilitava a progressão. Por essa razão certamente muitos reconhecimentos, na procura de novos espaços, terão sido feitos por mar em pequenos batéis, tal como afirma Gaspar Frutuoso no Vol. I de Saudades da Terra.

 

 

São de 1552 os primeiros relatos de viagens, não exploratórias, entre portos da costa de uma mesma ilha, tendo-se esta prática generalizado e mantido até ao século passado. Ainda há pouco mais de um século as ligações com o exterior e mesmo entre os povoados rurais das três maiores ilhas, S. Miguel, Pico e Terceira, eram quase nulas.

 

É sabido que os primeiros povoadores trouxeram utensílios vários, incluindo alguns batéis, conforme se deduz de algumas citações de Gaspar Frutuoso. Contudo, é legítimo pensar-se que poucos anos passados não só estariam degradados e talvez mesmo impossibilitados de navegar como também seriam insuficientes para responder às necessidades da pesca e do transporte de pessoas e bens.

 

 

Foram centenas as embarcações tradicionais açorianas que, ao longo de séculos, transportaram pessoas e bens, permitindo as trocas comerciais e aproximando gentes que de outra forma, quantas vezes na mesma ilha, nunca se encontrariam.

 

 

 É neste contexto, de necessidade premente de ligar terras e gentes, transportando bens e pessoas, que um grupo de cidadãos de Vila franca do Campo, liderados pela família Parece, em 1847, lança ao mar o Iate “Santo António”, registado no porto de Vila Franca com o número VF 2 TL.

 

A 8 de outubro desse mesmo ano, o Iate “Santo António” efetua a sua primeira viagem a Santa Maria. Era seu Mestre e Armador Vitorino José Parece. Sucedeu-lhe seu filho, Mestre António José Parece. A partir dos finais do século XIX passou também a escalar, além das ilhas de S. Miguel e Santa Maria, as ilhas do Grupo Central.

 

O Iate “Senhora da Guia” foi construído em 1904 na “ribeira” de Vila Franca do Campo, em cujo porto foi registado com o número VF 1 TL, por Mestre Mariano José de Sousa, para o armador e seu Mestre José Machado. Em 1932 é adquirido pelo armador Parece, passando Antóno José Parece a ser seu mestre, ficando José Augusto Parece de mestre do Iate “Santo António”.

Em 1955 por imposição do Ministério da Marinha, com a publicação do Despacho nº. 143/55, toda a frota açoriana de tráfego costeiro passou ao tráfego local, deixando de poder navegar livremente entre todas as ilhas, ficando limitada a navegar apenas no Grupo do porto de registo da embarcação. A primeira, mas não única, machadada nos nossos pequenos armadores.

 

Em 1987, os Iates “Santo António” e “Sra. Da Guia” foram adquiridos por Arménio Parece Machado do Couto e Victor Parece Machado Do Couto, passando a pertencer à empresa “Transporte Marítimo Parece Machado, Lda.”.

 

Em 1991 foi adquirido o navio “Baía dos Anjos”, registado no porto de Ponta Delgada com o número PD 101 TL. Desde então e até hoje, tem sido e continua a ser a principal fonte de ligação marítima ente S. Miguel e Santa Maria.

 

Em 1993 o Iate “Sra. Da Guia” foi vendido ao Mestre e Armador José Augusto Lopes Junior, tendo ainda, durante vários anos, assegurado as ligações no Grupo Ocidental.

 

Em 1996 o Iate “Santo António” foi vendido à Camara Municipal de Vila Franca do Campo. Acabou sendo transportado para os estaleiros navais da Madalena do Pico, onde se perdeu definitivamente.

 

Por escritura pública, datada de 23 de março de 2021, a EBP-Empresa de Barcos do Pico, adquire a totalidade do capital da empresa Transporte Marítimo Parece Machado, Lda.

 

Estes dois Iates, “Santo António e Sra. Da Guia” integraram uma vastissima frota de embarcações tradicionais açorianas que, ao longo de séculos, transportaram pessoas e bens, constituindo a verdadeira epopeia marítima açoriana, permitindo as trocas comerciais que asseguraram o funcionamento do mercado interno e a frágil coesão territorial.

 

Nunca é demais referir que os transportes marítimos são imprescindíveis à nossa condição de região insular e ultraperiférica. Pensar e decidir sobre os transportes marítimos regionais, modelos, condições operacionais, obrigações de serviço público ou contrato de prestação de serviço público, desenvolvimento infraestrutural e respetiva regulamentação, não pode ser feito, nem de forma ligeira, nem ao sabor de interesses particulares, pese embora por vezes legítimos, de um político, um grupo político ou um grupo económico. Todos têm direitos, todavia, os mesmos, não podem nem devem ser avaliados caso a caso, sem uma visão global, mas sim de forma interligada, técnica e financeiramente fundamentada.

  Os empresários/armadores regionais, sim, os empresários/armadores regionais, porque a Região não deve ser armadora, não é nem pode ser essa a sua vocação, têm que dar resposta às necessidades permanentes com meios próprios, apostando na mobilidade sustentável e tendo como objetivos, pelos quais é responsável o poder político, estruturar um modelo de transporte e um sistema portuário regional, geridos de forma integrada, mas não centralizada, capazes de:

·       Impulsionar a competitividade e o desenvolvimento económico;

·       Assegurar a mobilidade de pessoas e bens, a preços aceitáveis, mas reais, com eficiência;

·       Promover a coesão social;

·       Adequar os modelos e os custos de exploração às receitas;

·       Gerir com racionalidade os dinheiros públicos;

·       Cumprir os compromissos assumidos;

·       Esquecer os projetos faraónicos;

·       Dar prioridade aos projetos estruturantes;

·       Ser pró-ativos;

 

Porque, importa não esquecer, só assim se conseguirá:

 

·       Centrar a Região no seu verdadeiro papel e apenas aí, de forma a potenciar a iniciativa privada, a inovação e a criação de emprego sustentável;

·       Promover o funcionamento eficiente da economia;

·       Dimensionar os Sistemas Portuários, Aeroportuários e de Transportes às necessidades e às capacidades financeiras da Região, única forma de dar resposta adequada à procura pura de transporte e à mobilidade global;

·       Promover a articulação correta entre as políticas de transporte e as restantes políticas económicas;

·       Manter obrigações ou contratos de prestação de serviços públicos sempre que as mesmas se justifiquem, sem esquecer que mesmo com Obrigações de Serviço Público se deve manter um são ambiente concorrencial;

·       Evitar, sempre que possível, deficits operacionais;

·       Reanalisar os segmentos de oferta com baixa procura ou enorme sazonalidade bem como os respetivos impactos sociais.

Na relação custo-benefício, o saldo global terá de ser positivo e, sempre que possível, e é quase sempre possível, limitar o papel da Região à construção das infraestruturas, à coordenação estratégica, respetiva fiscalização e regulação.

 

Não é possível implementar um Plano Logístico nos Açores, e/ou adquirir equipamentos pesados, nos quais se incluem navios, gruas, etc. sem que este assente num ou em vários estudos prévios que tenham em conta que:

 

·       A constatação empírica dos novos fenómenos precede sempre o conhecimento e exige a adaptação e a criação de novos instrumentos, mais adequados à realidade. Assim, acontece também com a política e a legislação portuária.

 

·       Um novo fenómeno que se tem vindo a verificar nos sectores portuários e dos transportes, a nível global, o da crescente necessidade que as indústrias demonstram de externalização de todo o processo das funções da logística e da distribuição, organização, pequenas montagens, adaptação às exigências do consumidor final, etc.

 

·       Infelizmente nos Açores acabou-se com a mais-valia que constituía a presença de algumas entidades na chamada “Junta Grande”. Urge, em sua substituição e no âmbito da Portos dos Açores criar a “Comunidade Portuária” em cada Porto da Região.

 

·       A gestão dos Portos Açorianos tem assumido tradicionalmente a forma de Gestão do Estado e, em alguns, a operação parcial, por privados sem concorrência, com problemas ao nível da qualidade de serviço, salários, em alguns portos, acima da média da economia e falta de flexibilidade e de eficiência.

 

·       Em qualquer caso, na nossa Região, deverá ser garantido que sempre que a maioria dos clientes a servir sejam empresas e /ou indústrias regionais as quais dada a nossa natureza arquipelágica, não tem possibilidade de optar por um outro porto, cada porto tem de prestar um verdadeiro serviço público, servindo todos os navios, carregadores, recebedores ou operadores logísticos, sem distinção, preferência ou prioridade.

 

Os portos são os motores de economia de um país ou região e os navios são o principal meio de entrega. À medida que os países ou regiões se desenvolvem e as suas economias crescem, a dependência de navios e portos também cresce. Economias emergentes, com medianos níveis de desenvolvimento social, exigem conhecimento e compreensão sobre a forma de gerir os portos com sucesso e operar eficazmente os navios que os demandam.

 

Um porto comercial moderno pode dizer-se que constitui, presentemente, um grande centro logístico. Não apenas circulam, por ele, muitos navios e fluem inúmeras mercadorias e passageiros, como também, com ele e através dele, se estabelece uma intensa troca de informações, à velocidade que a eletrónica proporciona. Trata-se de um imenso espaço real e virtual, cujos limites e propriedades vão, muito, para além dos da Administração Portuária restrita, para se prolongarem pelos de toda a comunidade portuária, e mesmo pelos da sociedade envolvente.

 

Num espaço, de tal modo abrangente, só se conseguem níveis superiores de desempenho se o porto funcionar como um centro logístico, atuando os seus múltiplos operadores e agentes de forma articulada.

 

Embora à Administração Portuária pertença a função básica de conduzir os desígnios do porto, por mais que este mesmo porto seja eficaz na prestação de serviços, ao navio e à carga, não pode o utente portuário desligar-se do próprio destino do porto, que o mesmo é dizer da sua missão de verdadeiro centro logístico, dotado de atributos vários, como a agilidade, a flexibilidade, a economicidade, o princípio dos poderes partilhados, a tenacidade, a dinâmica comercial e ao mesmo tempo a não agressividade ambiental.

 

É por isso fundamental que a Administração Portuária conheça o desenho do sistema logístico portuário em operação no seu porto dado que, este tem a ver com o modo como os navios nele são operados e assistidos, e com a maneira como as mercadorias são manuseadas nos vários locais desse porto.

 

A grande abrangência, reconhecida à nova função das Administrações Portuárias de atuarem, como “pivot” de um moderno centro logístico traz-lhes exigências acrescidas em matéria de estruturação de serviços. Cabe, pois, às Administrações Portuárias e às Comunidades Portuárias, em parceria com as Câmaras do Comércio, as Associações Empresariais de Ilha e com o Governo Regional, executarem um programa de estudo e trabalho a curto prazo de forma a ser possível implementar um PLANO LOGÍSTICO AÇORES, tendo sempre presente que a logística é, na sua expressão mais abrangente, um sistema de entregas ou distribuição física, preocupada com a gestão dos tempos e dos custos e no qual sejam:

 

·       Elaborados os planos estratégicos de cada porto e promovida a sua integração no Plano Estratégico dos Portos da Região. Este assunto, há muito devia estar concluído;

·       Detalhados os meios existentes – equipamentos de movimentação vertical e horizontal de cargas – e ainda de transporte/navios, tráfego local e cabotagem insular, ou fixos/infraestruturas portuárias;

·       Identificados os pontos fracos e fortes, ou seja, onde há resposta satisfatória e onde não há e o que fazer para alterar tal situação;

·       Só podem ser aceites propostas e correções que incrementem melhorias sem acarretar mais custos, em tempo ou em dinheiro;

·       Anuladas as inutilidades e os respetivos custos;

·       Detalhados os fluxos de mercadorias de forma a aumentar a importância das cadeias logísticas no porto;

·       Identificados os principais elos das cadeias logísticas dos portos e avaliar os respetivos desempenhos;

·       Simplificados os processos de forma a reduzir os custos no acesso dos navios aos portos;

·       Concertada uma melhor prestação de serviços de todos os agentes que atuam no porto;

·       Criada a Comunidade Logístico-Portuária com base na Comunidade Portuária;

·       Promovido um ambiente favorável ao investimento público e privado;

·       Desregulamentada a mão-de-obra portuária;

·       Assegurada a reserva estratégica de solos, mais ou menos contíguos ao porto, para a instalação das atividades necessárias a estes.

·       Identificadas as falhas ou faltas em toda a cadeia logística.

·       Criado, por alteração do RIM - anteproposta de lei aprovada na Assembleia Regional dos Açores e remetida à Assembleia da República - o Tráfego Açores, permitindo assim que, tal como antes do Despacho 143, de 9 de julho de 1955, os nossos armadores possam navegar livremente ligando todas as nossas ilhas. Sem este novo tráfego nunca existirá um verdadeiro mercado regional.

·       Por último, mas não menos importante, analisado o interface marítimo/aéreo.

 Em suma deverá ser desenvolvida de forma sustentável e sem megalomanias a capacidade portuária, estabelecido um quadro claro para o financiamento dos investimentos portuários e de transporte, clarificadas as formas de acesso ao mercado dos serviços portuários, suprimidos os estrangulamentos operacionais, apoiada a segurança e a fiabilidade das operações e das condições de trabalho nos portos e promovida a competitividade geral e uma imagem positiva dos mesmos pelo que, os órgãos de gestão dos portos devem rever o seu papel tradicional de autoridades portuárias já que, por um lado os portos tendem a concentrar-se em cadeias logísticas cuja repartição de competências dentro da respetiva cadeia se esbate cada vez mais e, por outro lado a eficiência destes depende também cada vez mais da eficiência dos serviços prestados, não apenas na zona interior do porto mas também na orla marítima adjacente devendo ser os órgãos de gestão dos portos, em conjunto com as autoridades regionais, a ter em conta as avaliações económicas, sociais e de serviço público conformes com padrões de rigor, qualidade e resposta às necessidades especificas dos mercados a servir.

 

Das componentes racionalidade, fiabilidade e segurança, depende a eficiência das operações portuárias as quais, apesar de todo o progresso científico e tecnológico, dependem em grande medida do fator humano.

 

Importa ter sempre presente que só é possível abordar métodos para promover crescimento económico e mudanças estruturais, melhorando o potencial humano, através da melhoria das condições de saúde, educação e trabalho, seja através de meios privados ou públicos. A falta de conhecimentos e competências organizacionais e de gestão são o obstáculo primordial ao desenvolvimento económico e social.

 

Não permitir, em circunstância alguma, que o interesse local ou de grupo, político, económico ou outro, se sobreponha ao interesse geral, ou seja, ao interesse Ilha ou Região e isto porque, apesar da nossa pequena dimensão territorial e económica, há sempre quem tente vender a ideia de que o seu pequeno e, quantas vezes, mesquinho interesse, corresponde ao interesse geral e a sua defesa constitui a solução para todos os males; nunca é assim. Nunca, mas nunca, confundir valores com objetivos.

 

Só será válido partir-se para a elaboração do PLANO LOGÍSTICO AÇORES se tal for feito sem ideias pré-concebidas e no pressuposto de que todos estarão disponíveis para a sua implementação quer, em termos pessoais, lhes convenha ou não. O único interesse legítimo é a defesa do interesse regional e de todos os Açorianos, entendido globalmente e sem subterfúgios pelo que, é lícito, perguntar:

 

1.   Onde está o levantamento do mercado e do seu valor?

2.    Quanto vale o mercado em cada um dos seus segmentos?

3.    A saber:

 

·       Cabotagem Insular/importações, exportações;

 

·       Tráfego Local/carga e passageiros;

 

·       Rotas autossuficientes;

 

·       Rotas deficitárias;

 

·       Níveis de insatisfação e onde;

 

·       Níveis de financiamento e como; Serviço Universal, Público ou Cruzado;

 

·       Níveis de conflitualidade com os tráfegos existentes;

 

·       Onde está a concertação do modelo a implementar com os players existentes?

 

Em suma; como e quem definiu as nossas necessidades, reais e não virtuais? A resposta é simples; aparentemente, ninguém.

 

Ou porque se tem, sistematicamente, confundido valores com objetivos, ou porque, como diz sabiamente o povo, “os frutos caem sempre perto da árvore”, ou porque, muito me engano, há longo, longo tempo, está faltando alguém que segure a cana do leme.

 

 

Correndo o risco de me repetir; ou muito, muito me engano, ou só entenderá a mensagem quem sentir o que disse o poeta, “Olha o mar na tarde calma, ouve o que ele diz”.

 

 

 Se é certo que os tempos que correm trazem renovados desafios não é menos verdade que a empresa “Transporte Marítimo Parece Machado, Lda.”, e o seu acionista, Senhor Manuel Cristiano Amaral e Simas, proprietário não de uma mas de duas empresas centenárias, recordo que EBP-Empresa de Barcos do Pico completou o seu primeiro centenário a 26 de fevereiro de 1921, e os seus colaboradores podem e devem estar orgulhosos, não só pela missão cumprida mas também por continuarem de forma pro-ativa  e sustentável a preparar o futuro. São eles, os nossos, aqueles que em momentos de aperto, sempre nos socorrem e com quem podemos contar. Infelizmente, tantas, mas tantas vezes tão mal tratados por quem tinha e tem o dever e a obrigação de os acarinhar. A todos eles os meus parabéns e votos dos maiores sucessos, pessoais e empresariais.

 

Ponta Delgada, 8 outubro de 2022

Comandante Lizuarte Machado

 

 

 

 



quinta-feira, 12 de março de 2020

Entrevista publicada no Jornal Correio dos Açores a 8 de marco de 2020.


1 - Qual a sua opinião sobre o actual modelo de transportes marítimos para os Açores?

Esta não é matéria acerca da qual se possa simplesmente responder sim ou não. Não há modelos perfeitos. Numa análise de vários modelos possíveis todos têm vantagens e inconvenientes. Tudo depende dos condicionalismos dos mercados e dos objetivos do decisor.

2 – Partindo do princípio de que este modelo já tem idade, pela sua experiência, de que forma este modelo poderá ser adaptado às novas exigências de transporte marítimo para os Açores e dentro da Região?

O modelo deve ser avaliado em função dos resultados e não da idade, até porque, a procura permanente da satisfação dos clientes faz com que a evolução seja continua nunca permitindo a existência de modelos velhos.
 As Regiões Ultraperiféricas face à ausência de centralidade e de economias de escala estão, relativamente aos restantes mercados, em desvantagem e são fortemente penalizadas pelos custos de transporte. As cerca de 900 milhas náuticas que nos separam do continente Europeu e a excentricidade face às principais rotas atlânticas condicionam negativa e fortemente as nossas acessibilidades. Acresce que a dispersão geográfica e a pequena dimensão da maioria das ilhas e respetivos mercados sujeita, algumas, a uma dupla insularidade.
Os custos do transporte correspondem aos custos diretos mais os custos decorrentes da distância a percorrer, crescendo com esta. Nos mercados internacionais resulta da comparação de preços entre as modalidades FOB – free on board e CIF – coast, insurance and freight.
No caso do transporte marítimo de carga geral contentorizada de e para os Açores utiliza-se a conjugação das duas modalidades; Os clientes açorianos compram FOB ou Ex-Works (à porta da fábrica) e vendem CIF.
No caso dos Açores o preço depende sobretudo do trajeto marítimo, ganhando contornos de tráfego intercontinental com custos ligeiramente superiores à Madeira, 2 ilhas, 3 navios o dobro da distância, e muito superiores às Canárias, efeito de economias de escala (Eurisles-European Islands System of Links and Exchanges, 1999).
A rede Eurisles ao abordar em 1999 a questão do transporte de e para as Ilhas europeias concluiu, com base nos dados relativos às capitais dos Estados-Membros e de 12 regiões insulares europeias, que os preços para as regiões insulares são, em média, 50% superiores aos restantes destinos.
Assim sendo pode-se concluir que os Açores, relativamente às regiões centrais europeias, independentemente do modelo adotado, têm custos de transporte muito elevados, sendo estes consequência, sobretudo, da maior distância e da falta de economias de escala fruto da pequeníssima dimensão e dispersão das suas ilhas e respetivos mercados e do tipo de portos que condicionam os navios a usar.

Esta questão não é de somenos importância porquanto alguns especialistas consideram que, para duas economias distintas, a um diferencial de 5% nos custos de transporte corresponde uma taxa de crescimento anual, para a economia com custos de transporte mais baixos, superior em cerca de 50% à taxa de crescimento da economia com custos de transporte mais elevados considerando ainda que, um aumento de 10% na distância corresponde a, aproximadamente, um aumento de 2% nos custos de transporte (Gallup, Sachs e Mellinges, 1999). Dizem, também, alguns especialistas que um porto menos eficiente pode equivaler a uma distância do mercado de referência superior em 60% à distância real (Micco e Perez, 2001). Dadas as, frequentemente, gravosas condições meteorológicas, esta situação afeta, fortemente a Região.
É, portanto, consensual que a distância aos mercados de referência por parte de regiões como os Açores é absolutamente determinante para os custos de transporte e é, a par de outras ineficiências, motivo para penalização em termos de rendimento real.
No caso dos Açores e tendo em conta a sua dependência do transporte marítimo, a preocupação do poder político centrou-se, e bem, sempre na garantia do normal e regular abastecimento de todas e de cada uma das ilhas respondendo assim, por um lado, à descontinuidade territorial e, por outro lado, ao não agravamento das assimetrias regionais, fazendo com que esta atividade, apesar de liberalizada, tenha tido e continue a ter algum nível de regulamentação, através sobretudo da prática de fretes iguais para todas as ilhas.


3 – Há quem defenda, pura e simplesmente, um outro modelo de transporte marítimo. Qual a sua opinião? Que novo modelo de transporte marítimo poderá servir melhor a Região?


O abastecimento da Região que resulta da aplicação do nº. 1 do Artigo 4º. do Regulamento CEE nº 3577/92 do Conselho de 7 de Dezembro e do Artigo 5º. do Decreto – Lei nº 7/2006, de 4 de Janeiro, é feito em navios de capacidade adequada às limitações dos portos, afetos a linhas regulares, que efetuam ligações semanais com escalas pré-determinadas, garantem no mínimo uma escala quinzenal em cada ilha, não podendo ultrapassar sete dias úteis entre a expedição da carga no porto de origem e a entrega da mesma no porto de destino, assegurando que a carga contentorizada só poderá ser desconsolidada no destino, BL corrido, praticando fretes iguais para todas as ilhas e ainda podendo assegurar o serviço através de subcontratação.
Com esta opção, privilegiadora da regularidade do abastecimento/exportação a e de todas as ilhas e da consequente satisfação das necessidades das suas populações, contata-se que os operadores marítimos procedem a uma subsidiação cruzada entre as rotas mais rentáveis e as menos rentáveis, única solução que permite o cumprimento das Obrigações de Serviço Público.
A utilização de 6 ou 7 navios, dá a segurança que, em caso de impedimento de um deles, os outros têm capacidade de dar resposta ao transporte toda a carga. Quanto menos navios servirem o Modelo, mais riscos se correm e maior terão de ser os “stocks” dos operadores locais.
O transporte marítimo de linha regular carateriza-se e condiciona-se pela existência de um serviço regular, assegurando escalas previamente definidas, de acordo com itinerários pré-estabelecidos, obedecendo aos seguintes critérios;
O serviço realiza-se independentemente das taxas de ocupação dos navios utilizados e sem custos para o erário público.
É precisamente este conceito, implícito ao serviço de linha regular, que acarreta as inerentes dificuldades na fixação de fretes, dada a necessidade de se ter de conjugar:
Periodicidade; Cumprimento de itinerários pré-definidos; Rigidez da oferta; Realização da operação independentemente das taxas de ocupação.
Numa perspetiva de eficiência económica é sabido que o preço é igual ao custo social marginal – custo associado a, por exemplo, levar mais um contentor – e que o custo marginal do embarque de um contentor, num navio próximo de cheio, é basicamente igual ao custo da operação portuária.
Mas atenção porque, o custo marginal associado a levar mais um contentor, não havendo capacidade disponível no navio, é igual ao custo de fretamento de um novo navio.
Importa ainda não esquecer que tudo isto é agravado pelo excesso de capacidade que habitualmente carateriza este tipo de serviço e pelos elevados custos associados à sua atividade. No atual Modelo a margem do negócio, antes de amortizações, não ultrapassa os 8,5%. Não é por acaso que apenas um dos navios afetos ao Modelo tem menos de 20 anos.
Do atrás exposto facilmente se depreende que sendo o nível de concentração com ganhos de economia de escala fundamental, o mesmo é impossível de alcançar nos Açores.
A lógica subjacente à concentração é saber se o preço praticado no mercado se diferencia significativamente do custo marginal e se, em caso afirmativo, poder e dever avaliar-se o valor da perda de eficiência e quais as medidas a tomar para minimizar ineficiências.
Independentemente do Modelo, tem a maior relevância o enquadramento legal do Transporte de Mercadorias por Mar. Enquadra-se na ordem jurídica portuguesa pelo Decreto-Lei nº 352/86 de 21 de Outubro que estabelece disposições quanto à reformulação do direito comercial marítimo, alterado pelo Decreto-Lei nº 323/2002 de 17 de Dezembro – apenas altera o artigo 31 que tem como epígrafe “ Limitação legal de responsabilidade” - o qual transcreve um conjunto de regras definidas na Convenção de Bruxelas de 25 de Agosto de 1924 “para a unificação de certas regras em matéria de Conhecimento/BL” (“Hague Rules”) melhorada, em termos de definições, pelo Protocolo de 23 de Fevereiro de 1968 (“Visby Rules”), revisto pelo protocolo de 21 de Dezembro de 1979, surgido na sequência da 13ª Conferência Diplomática do Direito Marítimo, realizada em Bruxelas e ainda referente à Convenção de 1924 porque, embora em 1978 tenha surgido a Convenção de Hamburgo de 31 de Março sobre o Transporte de Mercadorias por Mar (“Regras de Hamburgo”), a sua entrada em vigor só veio a ocorrer em 1985.
O contrato de transporte marítimo de mercadorias pode ser definido como aquele pelo qual um determinado transportador se obriga a transportar por mar uma certa quantia de mercadorias que lhe foram entregues em determinado porto por um carregador e a entregá-las num outro porto a um destinatário, mediante o pagamento de uma determinada remuneração, o frete.” (José M. P. Vasconcelos Esteves, 1988).
São três as partes do Contrato de Transporte de Mercadorias por Mar sob Conhecimento de Embarque/BL-Bill of Lading: Identificação e responsabilidades do carregador; Transporte Marítimo e definição de responsabilidades do transportador; recebedor e responsabilidades do recebedor.
Funções desempenhadas pelo Conhecimento de Embarque/BL-“Bill of Lading”: Recibo da mercadoria embarcada; título do contrato de transporte; é negociável; pode constituir-se como documento de crédito.
O Conhecimento de Embarque/BL- “Bill of Lading é, pois, determinante para a definição das condições de transporte nomeadamente, por especificar obrigatoriamente os portos de carga e de descarga da mercadoria. Não se tratando de carga de grupagem nem de situação de calamidade, mas apenas de uma alteração do Modelo, quem assumiria a responsabilidade, quer no que diz respeito ao custo/frete e operações complementares e em que moldura legal seriam assumidas as novas condições contratuais de transporte?

4 – Que importância pode ter o navio ferry, que o Governo dos Açores se propõe comprar, num modelo de transporte marítimo que seja mais adequado à condição arquipelágica da Região?

Desconheço as características técnicas/operacionais do novo navio e, por isso, não sei de que forma poderá intervir ou participar num Modelo de Transporte de Mercadorias. Todavia, não deixa de ser importante para a Região, por questões de segurança, possuir um navio com as especificações técnicas de um “ferry” o qual pode, em situação de catástrofe, projetar meios humanos e materiais em qualquer ilha afetada.

5 – Empresários da Terceira defendem a criação de duas Hubs, uma na Praia da Vitória para servir os grupos central e ocidental da Região e outra em Ponta Delgada para servir Ponta Delgada e Santa Maria? Qual a sua opinião sobre esta proposta?

Um modelo com dois “Hubs”, teria como consequências imediatas:
Os armadores deixariam de praticar preços iguais para todas as ilhas; O mercado dividir-se-ia em três segmentos; Tráfego-Direto, Tráfego-Indireto e Inter-ilhas; Surgimento, em termos de frete/BL, de um novo mercado; Os armadores passariam a escalar apenas a ilha ou ilhas, do ponto de vista comercial, atrativa/s; No mercado Inter-Ilhas as importações têm forte predominância relativamente às exportações daí resultar, por falta de economias de escala, uma forte rigidez no preço; No tráfego direto com o exterior verifica-se que do preço do transporte, em “princípio”, depende de um maior ou menor fluxo de trocas. Em “princípio” porque a dimensão populacional e produtiva da Região limita muito quer as exportações quer as importações
A cada Ilha, quer na entrada quer na saída, corresponderia um preço de frete diferente, crescente na proporção da diminuição do respetivo mercado.
Esta solução colocaria em causa o normal e regular abastecimento/escoamento dos produtos de todas as ilhas. Alguma ou algumas ilhas continuariam a ter o seu abastecimento direto regular garantido enquanto outras perderiam o abastecimento direto e a qualidade do serviço seria seriamente afetada, podendo mesmo estar em risco o abastecimento em contentorização. Alguns especialistas afirmam que se se considerar três portos – a habitual santa trilogia – a escalar na Região pelos navios do tráfego direto o frete sofrerá um aumento de cerca de 50% quando comparado com um único porto a escalar (Rinave e Consulmar, 1999). Obviamente, no caso de um único porto, só poderá ser Ponta Delgada.
A componente do mercado sem ligações diretas ao exterior, o inter-ilhas, seria um mercado incerto dependente das ligações ao exterior e das respetivas frequências. Aqui pode, com propriedade, colocar-se a eventualidade de não ficarem asseguradas, na totalidade, as condições indispensáveis, em termos de abastecimento/exportações das diversas ilhas, no que diz respeito quer à satisfação das necessidades básicas das populações quer ao funcionamento das suas frágeis economias.
O mercado sujeito a um regime sem Obrigações de Serviço Público colocaria em causa o abastecimento/exportações das ilhas de menor dimensão territorial e populacional, tornado necessário o recurso a mecanismos financeiros que suportem os Tráfego-Indireto e Inter-Ilhas e garantam o abastecimento/ exportações dos produtos de todas as ilhas.
6 – Criando-se duas Hubs (com ligações ponto a ponto a Ponta Delgada com uma única derivação para Santa Maria), faz sentido os micaelenses continuarem a pagar custos de transporte mais elevados para que vários produtos cheguem ao mesmo preço a todas as ilhas?

Para além da regularidade e qualidade do serviço, a questão mais relevante será a da manutenção de um modelo que, à semelhança do atual, seja fortemente incentivador das exportações em detrimento das importações. É possível ter fretes mais baratos no tráfego Continente/Açores, porém, dado o diferencial do volume de cargas nos três tráfegos, nunca será possível compensar as perdas de receita com aumentos de fretes no Açores/Continente e no Inter/ilhas. No limite, sem comparticipação pública, muitas das atuais indústrias regionais, particularmente na Terceira e em S. Miguel, deixariam de ser competitivas, não só no mercado externo, mas também no mercado interno e perder-se-iam milhares de postos de trabalho com as consequências socias e económicas daí resultantes.


7 – Quais deveriam ser as preocupações das entidades e dos empresários açorianos em matéria de transportes marítimos?
Aos carregadores ou recebedores importa apenas saber quanto custa o transporte, quanto tempo demora e qual o nível de risco a que, durante o transporte, a mercadoria fica sujeita, sendo sabido que, quanto mais manuseamentos, mais riscos e mais custos acarreta. Aos carregadores ou recebedores não interessam quais os problemas e os meios envolvidos na operação de transporte. Não é esse o seu negócio.
Mais importante do que a discussão acerca do Modelo a adotar seria garantir a existência do um Terminal Ilhas no Porto de Lisboa, para uso exclusivo das Regiões Autónomas e onde deveria centrar-se o verdadeiro Centro Logístico Regional bem como, garantir o acesso prioritário ao Porto de Leixões.
É evidente que a iniciativa privada pode resolver o problema contudo, reagindo pelos seus próprios meios, não terá tendência nem obrigação para equacionar e financiar os problemas de abastecimento público que seriam criados por um novo modelo de distribuição, até porque, para alguns, o interesse não se centra numa política de transporte para servir a Região Autónoma dos Açores, mas numa política para servir o seu transporte e os seus interesses.

8 – Como perspetiva a médio e longo prazo o transporte marítimo para os Açores e dentro da Região?

Só haverá redução efetiva do preço do frete se houver subsidiação pública, total ou parcial/combinada, ou não, com subsidiação cruzada de rotas porque, o tráfego direto não liberta fundos suficientes para subsidiar, por si só, o tráfego Inter-Ilhas;
 A qualidade e regularidade do serviço para as Ilhas sem ligação direta ao exterior será sempre seriamente afetada, sem ganhos globais para os açorianos, antes pelo contrário, com mais custos e perdas de fiabilidade significativas;
Em qualquer caso faltará sempre debater as questões relacionadas com os elevados custos decorrentes da distância nas ligações ao exterior, bem como, as soluções adotadas em alguns espaços similares da União Europeia - Córsega e Escócia - que passaram pela aplicação de apoios estatais, dentro do princípio da continuidade territorial os quais permitiram reduções significativas no preço do transporte marítimo, mas acarretaram elevados custos para o erário público.
Passando em retrospetiva as últimas décadas, pode-se concluir que se dinamizou a concorrência para melhorar o sistema e baixar o custo no consumidor final. O resultado foi o desenvolvimento de um sistema de transporte equilibrado e sem provocar ruturas. Para a economia Regional o valor acrescentado gerado é largamente positivo e o índice de preços ao consumidor teve o seu rumo macroeconómico normal. Importa não esquecer que a Região já subsidia a colocação de produtos regionais no mercado externo e que, através do POSEI, são subsidiadas as importações de matérias-primas para o fabrico de rações, fazendo com que estas matérias-primas cheguem aos Açores mais baratas do que ao Continente.
Em termos de fretes, desde 1995 que os mesmos tiveram sempre um crescimento nominal negativo ou nulo, em todos os segmentos de mercado.
Numa região arquipelágica dispersa e muito heterogénea, apesar de os fretes serem importantes, muito mais importantes são a fiabilidade e a continuidade do Modelo, seja ele qual for, bem como as suas conectividades.
Não podendo a qualidade ser negociável ou posta em causa, por ser considerada indispensável, a questão que agora e sempre se coloca é a da escolha da melhor solução. Estamos, portanto, perante um caso de otimização de custos e de recursos.
Propositadamente ative-me apenas no frete marítimo, não tendo sido analisados os restantes custos que compõem a fatura global – Taxas Portuárias, Pesagem, Desconsolidação / Consolidação, Cross-Docking, Entrega / Levantamento, Transporte Terrestre, Ligação de Contentores Frigoríficos, Energia, etc. – por serem comuns a qualquer Modelo de Transporte. Importa ainda não esquecer que não existem modelos imunes a fatores externos como sejam; greves, avarias e condições meteorológicas adversas.
Que ninguém tenha dúvidas; quer os Operadores da Cabotagem Insular quer a Portos dos Açores estão preparados para dar resposta a qualquer modelo. A economia regional não.
9 – Acredita que o abastecimento de navios com GNL passe, no futuro, por um porto dos Açores? E que um porto da Região venha a ser uma plataforma logística de contentores a partir da qual se possa abastecer outras zonas da costa do Atlântico Norte?

Se se vier a verificar o uso generalizado do LNG, Sines será sempre a grande referência da costa oeste europeia para o Atlântico Norte. Claro que terá que haver abastecimento nos Açores. Se Ponta Delgada consome 70% da totalidade do combustível regional, o abastecimento passará sempre por aí, contudo, dado o consumo da Ilha Terceira, com toda a probabilidade esta terá um abastecimento direto e, dadas as caraterísticas do seu porto, poderá ter alguma apetência para o abastecimento de algum tráfego internacional o que poderia ser de grande relevância para a Região se fosse possível, recorrendo a esses navios, colocarmos alguns dos nossos produtos, diretamente, nos mercados internacionais. Lembro que o consumo de LNG está a cair, e a industria naval está a virar para outras fontes de energia, nomeadamente , hidrogénio e amónia.

Comandante Lizuarte Machado